REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O SÓCIO NAS DISSOLUÇÕES IRREGULARES DAS SOCIEDADES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELOS TRIBUTOS INADIMPLIDOS

Há uma grande discussão na jurisprudência quanto à possibilidade de redirecionamento da Execução Fiscal contra sócio que se retirou da sociedade nos casos de dissolução irregular, ou contra o sócio que não exercia poderes de administração, mas que estava nos quadros societários da empresa no momento da dissolução irregular.

Em breve contextualização, dissolução irregular é caracterizada quando os sócios da sociedade encerram as atividades da empresa sem observarem os procedimentos formais de dissolução, previstos em lei[1], quais sejam: (i) ato de dissolução (distrato); (ii) liquidação do patrimônio (apuração de ativo e passivo); (iii) partilha do resultado positivo da liquidação entre os sócios, caso exista; (iv) extinção da personalidade jurídica (baixa na Junta Comercial).

Inclusive, sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça editou, em 2010, a Súmula nº 435, que prescreve a hipótese em que se presume a dissolução irregular da sociedade, a saber: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Nesses casos, a Fazenda Nacional, no curso da Execução Fiscal, solicita, com base no art. 135, inc. III do CTN[2], o redirecionamento da ação conta o sócio da sociedade para responder, com seu patrimônio pessoal, pelos tributos inadimplidos da empresa.

No entanto, a questão não é simples como parece. Há diversas decisões conflitantes sobre o assunto, especialmente nos casos em que o sócio se retirou da sociedade antes da dissolução irregular, deu causa à dissolução irregular, ou se ele exercia, ou não, poderes de gerência à época do fato gerador dos tributos inadimplidos.

Sendo assim, a Ministra Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça visualizando a grande discussão e repercussão sobre a situação, afetou a matéria para ser julgada em sede de Recurso Repetitivos, determinou a suspensão de todos os processos similares e editou os Temas nº 962 e nº 981, que assim dispõem:

Tema nº 962:

Possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio que, apesar de exercer a gerência da empresa devedora à época do fato tributário, dela regularmente se afastou, sem dar causa, portanto, à posterior dissolução irregular da sociedade empresária.

Tema nº 981:

Possibilidade de redirecionamento da Execução Fiscal fundado na hipótese de dissolução irregular da sociedade empresária executada ou de presunção de sua ocorrência

Importante lembrar, também, que a matéria que será decidida nos Temas nº 962 e 981 é mais profunda, possui mais desdobramentos, mais detalhes e nuances que o entendimento firmado no Tema nº 630[3], em 2014, pela própria Corte Superior, que, de forma geral, legitimou o redirecionamento ao sócio-gerente, das dívidas tributárias ou não-tributárias, de empresa dissolvida irregularmente.

Em outras palavras, agora o STJ decidirá sobre a possibilidade de redirecionamento da Execução Fiscal ao sócio, em três situações distintas, se (i) ao sócio com poderes de administração na data da dissolução irregular e que tenha exercido poderes de gerência na época do fato gerador dos tributos inadimplidos; (ii) ao sócio com poderes de administração da sociedade na data da dissolução irregular, mas que não tenha exercido poderes de gerência na época do fato gerados dos tributos inadimplidos; ou (iii) ao sócio que regularmente deixou a empresa antes da data da dissolução irregular, mas que exercia poderes de gerência na época do fato gerador dos tributos inadimplidos.

Então, apesar de similares, visto que ambos decidirão sobre a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal ao sócio, na dissolução irregular, os temas possuem suas particularidades, que serão explicadas a seguir.

No Tema nº 962/STJ, os contribuintes defendem a impossibilidade de redirecionamento ao sócio administrador que deixou a sociedade, antes de sua dissolução irregular, sob fundamentos na inexistência de nexo causal entre a conduta do sócio retirante, com a conduta do sócio que levou à dissolução irregular. Essa última conduta, seria a que efetivamente legitimaria o redirecionamento e não o simples inadimplemento de tributos durante o período de gestão do sócio retirante que, nos termos da Súmula nº 430/STJ, impossibilita sua responsabilização por mero inadimplemento de tributos da sociedade.

Também, utilizam a Súmula nº 435/STJ, aqui já citada, que permite a responsabilização, por meio do redirecionamento, somente ao sócio-gerente que possui relação direta com a dissolução irregular. Sendo assim, seria impossível o redirecionamento a sócio que não deu causa à irregularidade.

Já a Fazenda Nacional defende a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal também contra sócio-administrador que se desliga da sociedade antes de sua dissolução irregular, em razão da não desvinculação de suas obrigações pela alienação das cotas sociais. Sustenta, também, as possibilidades de fraudes a serem praticadas pelos contribuintes, que poderão transferir intencionalmente o controle a outras pessoas (laranjas), com o objetivo de fulminar a responsabilidade tributária.

Diga-se, de passagem, que a tese do Fisco visa perpetuar a relação do sócio com as obrigações da sociedade que uma vez participou. Também, mostra que a PGFN parte da premissa que o contribuinte pratica, como regra, atitudes fraudulentas, quando na verdade, sempre serão a exceção.

Por fim, o MPF, ainda no Tema nº 962, opinou pela edição da seguinte tese repetitiva, que parece ser a solução mais coerente a ser tomada:

A responsabilidade tributária do art. 135, iii, do CTN não abrange o sócio que geriu a pessoa jurídica ao tempo em que ocorrido o fato gerador, dela validamente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução ilícita, salvo se tiver atuado salvo se tiver atuado com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, de que são exemplos: a prática de atos ilícitos absolutos (penais, atos de improbidade e infrações administrativas); a retenção de tributos sem o correspondente repasse ao credor estatal; a prática de atos alheios ao objeto social da empresa; a sucessão societária fraudulenta, para transferir a terceiros insolventes os ônus tributários; o malbaratamento dos recursos da sociedade com o enriquecimento dos sócios ou de terceiros; e o emprego da mora tributária como estratégia de gestão empresarial.

Em contrapartida, no Tema nº 981/STJ, que definirá o redirecionamento da execução fiscal – em sociedades dissolvidas de forma irregular – se ao sócio-gerente que ocupava esta função na época do ato ilícito, ou ao gerente/administrador ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, os contribuintes também defendem a irrelevância do simples inadimplemento dos tributos, que não atrai a aplicação do art. 135, inc. III, do CTN, enquanto a dissolução irregular, ensejaria a responsabilidade do sócio-gerente à época da irregularidade.

Pedem, então, a fixação da seguinte tese: “À luz do art. 135, III, do CTN, o pedido de redirecionamento da Execução Fiscal, quando fundado na hipótese de dissolução irregular da sociedade empresária executada ou de presunção de sua ocorrência (Súmula 435/STJ), pode ser autorizado contra o sócio com poderes de administração da sociedade, na data em que configurada a sua dissolução irregular ou a presunção de sua ocorrência, ainda que não tenha exercido poderes de gerência, na data em que ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido”, observando-se, contudo, a necessária diferenciação entre dissolução irregular e o simples fechamento involuntário de portas pela quebra do negócio”.

A Fazenda Nacional, por sua vez, afirma que “Quando da dissolução irregular da empresa executada, o sócio já compunha seus quadros. Portanto, se o fato que dá ensejo a aplicação do art. 135 é a própria dissolução irregular e se esta ocorreu quando o recorrido já constava dos quadros da sociedade nada impede que sejam responsabilizados pelo crédito tributário respectivo”.

Então, o MPF opinou para que seja firmada a seguinte tese:

Sendo assim, pode-se concluir que: a) o mero inadimplemento do débito fiscal não se enquadra na hipótese do art. 135, III, do CTN, para ensejar o redirecionamento da execução ao sócio-gerente; b) por outro lado, a dissolução irregular da sociedade configura infração à legislação, consoante o art. 135 do CTN e enseja a responsabilização do sócio-gerente.

Por todo o exposto, para efeito do disposto no art. 1.036 do CPC/2015, manifesta-se a Subprocuradora-Geral da República subscritora para que seja firmada a tese no sentido de se promover o redirecionamento da execução fiscal, nos casos de dissolução irregular da sociedade, para o sócio-gerente que se encontrava no comando da empresa quando da ilicitude ou da ocorrência de ato que presume a sua materialização, nos termos da Súmula 435/STJ, sendo irrelevantes a data do surgimento da obrigação tributária (fato gerador) bem como o vencimento do respectivo débito fiscal.

Após a contextualização dos Temas e dos entendimentos firmados anteriormente pelo STJ, especialmente a Súmula nº 430/STJ, o cenário mais coerente e que traria maior segurança jurídica aos contribuintes no julgamento dos Temas nº 962 e 981/STJ, seria a possibilidade de redirecionamento da Execução Fiscal somente ao sócio-gerente da sociedade à época da dissolução irregular, visto que o encerramento irregular da sociedade é uma ilicitude que atrai a aplicação do art. 135, inc. III do CTN, enquanto o mero inadimplemento de tributos não possibilita a responsabilização fiscal do sócio.

A exceção ao cenário acima apresentado, seriam as situações fraudulentas, que caberia ao Fisco, o ônus da prova.

Apesar de tudo o que foi apresentado, o que vemos na prática é diferente. A Fazenda Nacional faz inclusão dos sócios na Certidão de Dívida Ativa (CDA) e, após não encontrar bens ou recursos em nome da sociedade, solicita o redirecionamento das Execuções Fiscais, com base no art. 135, inc. III, do CTN, sem qualquer prova da prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, em total transgressão à lei.

Portanto, a definição da controvérsia, independentemente da tese que for firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, permitirá que o contribuinte se resguarde e “preveja” os cenários futuros, em consonância com a segurança jurídica.

Dito isso, os Temas nº 962 e 981 foram incluídos na Paula de Julgamento do dia 18/11/2021 e somente após decisão do Superior Tribunal de Justiça, que poderemos vislumbrar o futuro cenário da responsabilidade dos sócios nas Execuções Fiscais.

Então, a melhor solução para reduzir os riscos de atribuição de responsabilidade tributária aos sócios, por meio do redirecionamento da Execução Fiscal, é mantendo uma boa gestão da empresa e, principalmente, amparado por uma sólida assessoria tributária e fiscal, que trabalhará para minimizar os potenciais riscos do empresário.

[1] Art. 1.033 a 1.038 c/c art. 1.102 a 1112, todos do CC/02 e art. 206 a 219, da Lei 6.404/76 no caso de Sociedades Anônimas.

[2] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado

[3] Tema nº 630, STJ: Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente.