OPÇÃO DE COMPRA DE QUOTAS – CALL OPTION – COMO ALTERNATIVA À APURAÇÃO DE HAVERES DE SÓCIO FALECIDO PARA PAGAMENTO AOS HERDEIROS

A questão envolvendo a morte de sócio nas sociedades limitadas engloba não somente o Direito Societário, mas também o Direito das Sucessões, uma vez que as quotas são bens móveis de natureza incorpórea e, por isso, são direitos patrimoniais passíveis de sucessão.

Ante a ausência de definição legal no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina vem interpretando que quota é a parcela constituída em bens ou dinheiro que cada sócio contribui para a formação do capital social. O capital social, por sua vez, é o valor que cada um dos sócios integralizou ou se obrigou a integralizar à sociedade ao subscrever suas quotas ou ações. Essa integralização pode se dar em dinheiro ou em bens suscetíveis de avaliação. Assim, o capital social é o primeiro patrimônio daquela sociedade.

Neste sentido, os sócios contribuem para a formação do capital social de uma sociedade limitada que será dividido em quotas. Com isso, determinou-se que as quotas são “títulos” representativos do valor da fração do capital social que conferem direitos patrimoniais e pessoais aos sócios.

O falecimento de um sócio enseja na análise dessas duas dimensões distintas das quotas: a dimensão patrimonial e a pessoal. Para que seja feita essa análise, deve-se recorrer ao Código Civil, instituto que regulamenta as Sociedades Limitadas em seu Capítulo IV.

Entretanto, não existem disposições específicas acerca do falecimento de sócios neste capítulo. Dessa forma, por previsão expressa, em casos omissos, a Sociedade Limitada será regulamentada pelas normas da Sociedade Simples. Assim, podemos aplicar ao caso de falecimento de sócios o artigo das Sociedades Simples que determina a forma em que ocorrerá a dissolução da sociedade, qual seja:

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;

II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido

 Verifica-se que a regra geral é a liquidação das quotas do sócio falecido, ou seja, é feito o levantamento do valor em dinheiro dos direitos patrimoniais que caberiam ao sócio falecido, pela sua participação na sociedade. Neste sentido, há a apuração dos haveres que o sócio falecido possuía na sociedade, para pagamento aos herdeiros ou sucessores.

Assim, a liquidação está diretamente relacionada à dimensão patrimonial das quotas do sócio falecido, uma vez que há a determinação e atribuição de valor às quotas e o pagamento dos haveres aos herdeiros.

Por outro lado, a dimensão pessoal é, geralmente, insuscetível de transmissão, especialmente nas sociedades em que os vínculos pessoais são mais relevantes. Como a Sociedade Limitada é historicamente considerada como uma sociedade de pessoas, o herdeiro ou sucessor não é automaticamente sócio daquela sociedade, embora seja titular dos direitos patrimoniais derivados das quotas pertencentes ao sócio falecido.

Portanto, se nada for regulamentado no contrato social, entende-se que os herdeiros do sócio falecido daquela sociedade limitada não passam a compor o quadro social, por se tratar de uma sociedade pessoal.

Verifica-se, assim, que a apuração dos haveres do sócio falecido e o pagamento correspondente aos herdeiros é realizado entre a sociedade e os herdeiros, ou seja, através de uma relação vertical e, por isso, o pagamento é realizado com o patrimônio da sociedade. Dessa forma, há uma redução do capital da sociedade, o que nem sempre é vantajoso para o negócio.

Com isso, outra possibilidade seria a entrada dos herdeiros na sociedade, ocasião em que não ocorreria o pagamento de haveres. Entretanto, nem sempre os herdeiros são capacitados para assumirem aquele lugar ou, ainda, não é de interesse dos sócios remanescentes a entrada de herdeiros, o que caracterizaria a perda do affectio societatis, que é a intenção dos sócios de constituir a sociedade.

Neste contexto, como alternativa à apuração de haveres, opção que poderia prejudicar o desenvolvimento dos negócios, e à entrada de herdeiros na sociedade, existe a possibilidade de elaboração de um Acordo de Sócios, no qual podem ser determinadas cláusulas de bloqueio. De modo geral, são cláusulas contratuais utilizadas de forma estratégica para regular a entrada e saída de sócios, bem como impor limites nos relacionamentos entre as partes.

Existem diversas espécies de cláusulas que podem ser elaboradas com essa mesma finalidade. As cláusulas de Call Option, ou Opção de Compra de Quotas, são, de uma forma genérica, aquelas utilizadas para obrigar uma das partes a vender as suas quotas da sociedade dependendo de uma situação específica prevista para aquele determinado fim.

Assim, a utilização da cláusula de Call Option, ou Opção de Compra de Quotas, como alternativa à apuração de haveres de sócio falecido para pagamento aos herdeiros regulamentaria a situação em que os herdeiros são obrigados a venderem as quotas aos sócios remanescentes, pelo valor e critérios de quantificação que forem anteriormente estabelecidos, independente da vontade do herdeiro de permanecer no negócio.

As condições desta compra e venda já são estabelecidas previamente e ela estará condicionada a um evento certo, ou seja, o falecimento de um sócio. Assim, com a implementação desta cláusula, a parte tem a obrigação de vender as quotas.

É importante destacar que as partes são livres para regular formas de resolução alternativas àquelas prescritas pela legislação e, por isso, não existe uma forma pré-determinada para essas cláusulas. As definições e os limites são estabelecidos de acordo com as vontades das partes e variam de acordo com cada caso específico.

Por isso, é muito importante que sejam estabelecidos termos e condições precisos no Acordo de Sócios com relação a todas as cláusulas e suas disposições, para evitar que no momento de seu cumprimento ocorram nulidades jurídicas que impeçam a sua eficácia ou validade.

Um elemento essencial da Opção de Compra de quotas é o preço a ser pago por elas, devendo o contrato expressamente prever a forma de cálculo deste valor. Assim, diferentemente do que fora tratado acima, com a execução da cláusula de Opção de Compra, teremos uma relação horizontal, ou seja, a compra das quotas é realizada pelo patrimônio dos próprios sócios remanescentes, não havendo perda para a sociedade. Assim, em muitos casos essa alternativa pode ser vantajosa para a continuidade do negócio daquela sociedade.

Ainda, apesar de existirem poucas decisões acerca deste tema, os tribunais têm garantido a execução das cláusulas de Call Option, haja vista se tratar de ajustes particulares, nos quais as partes têm ampla autonomia para estipularem as condições específicas.

Em conclusão, verifica-se que no Direito Societário, assim como em diversos ramos do Direito, existe a possibilidade de ocorrência de impasses e conflitos entre as partes, os quais podem impactar diretamente na sociedade, interferindo no bom andamento de suas atividades. Por isso, é muito importante que seja feita a regulação prévia de todas as cláusulas no momento de constituição da sociedade, antes que qualquer situação ou conflito venha a ocorrer, de modo a trazer segurança às partes.

Como são inúmeras as possibilidades de cláusulas de bloqueio, os acordos devem ser bem elaborados, para que sejam prevenidos impasses e conflitos societários de acordo com cada caso e, principalmente, para evitar a interferência do Poder Judiciário, uma vez que o processo judicial pode ocasionar inúmeros problemas, por ser caro, moroso e ainda expor a empresa e suas dificuldades.