DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE LUCROS NA SOCIEDADE LIMITADA: RISCOS DECORRENTES DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS SUPERFICIAIS

Na sociedade limitada, os sócios, através de cláusula prevista no contrato social, podem estabelecer a regra de distribuição desproporcional de lucros, ou seja, a distribuição desvinculada dos percentuais de participação de cada um no capital social.

Assim, por exemplo, em uma sociedade integrada por dois sócios, cada um com quotas representativas de 50% (cinquenta por cento) do capital social, um deles poderia receber 90% (noventa) por cento dos lucros distribuídos e o outro apenas 10% (dez por cento), simplesmente por assim ajustarem em cláusula contratual, com base em algum racional que faça sentido para ambos, a partir da liberdade de contratar decorrente do art. 997, VII, do Código Civil, aplicável à sociedade limitada por força do art. 1.054 do mesmo diploma legal.

Ocorre que, não raramente, contratos sociais que adotam a distribuição desproporcional como regra não estabelecem os percentuais, delegando tal detalhamento e definição para posterior deliberação em reunião ou assembleia dos sócios, sem fixar qualquer critério a ser observado, tratando do tema de forma superficial e insuficiente. Sem dúvida é uma prática não recomendável, que pode gerar grandes problemas entre os sócios caso não se entendam por unanimidade no momento de tal decisão ser tomada.

Inexistindo critérios objetivos para a aferição dos valores a serem distribuídos para cada um dos sócios, dependendo a matéria de deliberação, e, ainda, não havendo no contrato social a estipulação do respectivo quórum deliberativo, ela será tomada pela maioria de votos dos presentes, conforme determina o art. 1.076, III, do Código Civil. Trata-se de quórum arriscado, uma vez que qualquer sócio (ou grupo de sócios) que, presente na reunião ou assembleia, detenha a maioria dos votos presentes, terá o poder para estabelecer os percentuais de dividendos a serem considerados.

Ainda que o contrato social estabeleça outro quórum de deliberação para tal matéria – como, por exemplo, votos de sócio (ou grupo de sócios) titular de mais da metade do capital social – o sócio (ou grupo de sócios) titular das quotas representativas do capital remanescente – significativo, embora minoritário – estaria vinculado ao direcionamento dado pela simples maioria.

Por tudo isso, mais do que apenas estabelecer cláusula vazia de distribuição desproporcional de lucros, é recomendável (i) fixar critérios objetivos para o cálculo das parcelas de lucros de cada sócio; e (ii) regular de forma mais detalhada a reunião ou assembleia de sócios responsável pela deliberação, inclusive estabelecendo quóruns de maioria qualificada ou de unanimidade, a fim de neutralizar ou reduzir a possibilidade de deliberações abusivas ou caprichosas contra os interesses da minoria.

Além do contrato social, o acordo de quotistas também pode ser utilizado para o regramento da distribuição desproporcional de lucros na sociedade limitada, como instrumento jurídico complementar.